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“Eu sei, mas não devia. Eu sei que nos acostumamos. Mas não devíamos. Acostumamo-nos abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceitamos os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceitamos não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceitamos ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração” (Marina Colasanti).
A frequência com que assistimos a episódios de violência faz com que deixemos de nos surpreender com as notícias que nos deviam indignar. Mas esta normalização vem de há muito e somos nós que permitimos que ela entre nas nossas casas, nas nossas vidas, nas vidas dos nossos filhos. Basta ligarmos a televisão e prestarmos atenção ao conteúdo dos desenhos animados que os “alimentam”. Não precisamos de grande esforço para encontrarmos neles atos de violência e os pequenos espectadores estão ali, sentadinhos, a assistir a tudo, a absorver cada palavra, cada gesto, cada atitude.
Pode parecer-nos irrelevante, mas é este processo de banalização que retira a seriedade com que este tipo de comportamentos deveria ser encarado e faz com que se intensifiquem. E esta é, obviamente, uma realidade extensível a séries, a filmes, a novelas, a jogos de computador, aos noticiários... A lista é interminável e há conteúdos para todas as idades e para todos os horários!
As crianças discutem umas com as outras, sabemo-lo. No pátio da escola é uma que quer jogar à bola e outra quer jogar às escondidas. É uma falta mal marcada num jogo de futebol e uma briga que começa. É um toca e foge mal medido que acaba num empurrão. Enfim, comportamentos que levam a conflitos mais ou menos intensos. No entanto, o bullying é mais do que um conflito.
Falamos de bullying quando falamos de situações onde há desigualdade entre as partes, quando se estabelece uma relação de dominação-submissão. Quando, de forma sistemática e prolongada, há insultos, difamação, chantagem agressão física ou psicológica, isolamento...
Não foi por acaso que escolhi este título. É pouco provável que haja um leitor que não se recorde deste estigma que carrega o peso de uma realidade que ainda não desapareceu. Lembra-se do gordo da baliza da sua infância?
Há-de lembrar-se também de que este rótulo que lhe foi posto não foi sol de pouca dura. Provavelmente ainda se lembra e fala dele como “o Manel gordo” e fá-lo sem achar que, na altura, este seu colega estava a ser vítima de um ato violentíssimo, que este seu colega era vítima de bullying. Um dos aspetos mais dolorosos desta realidade é que ela não é pontual. Podermos suportar um episódio de provocação, de gozo ou sermos ignorados pelos outros se for algo pontual, mas se é algo repetido, as consequências são seríssimas.
A ciência tem-nos mostrado que crianças e jovens vítimas de bullying correm o risco de ter problemas de saúde mental, baixa autoestima, sofrer de stresse, depressão ou ansiedade, ou, até, pensamentos e atos suicidas. Sendo que isto é válido também para o agressor, pois é comum que os agressores acabem por ser rejeitados pelos seus pares e percam as amizades à medida que envelhecem.
Alguns têm distúrbios de personalidade que não permitem que entendam as emoções sociais e, geralmente, precisam da ajuda de um profissional. Outros são apenas o exemplo que tiveram (ou têm) em casa.
Nem sempre é fácil tomar uma atitude, muitos pais não sabem por onde devem começar para ajudar os filhos, mas cabe-nos a nós agir e adotar uma posição que seja exemplo. E podemos começar por algo tão simples como não permitir que se rotulem outros Maneis Gordos, Marias Girafa ou Josés Anão. Que não lhes achemos piada se forem ditos à nossa frente. Que não os alimentemos. Podemos começar por escolher os conteúdos de televisão que são vistos nas nossas casas. Podemos começar por não nos acostumarmos ao que pede inconformismo.
Sem “gordos à baliza”. Sem silêncios. Sem troças.
O bullying é um problema grave e cabe a cada um de nós pará-lo.
Obrigada Luciana Joana pelo excelente artigo.
Se quiser ler este e mais artigos, veja mais em https://babysisters.pt/blog/
Luciana Joana Professora, Ph.D. em Educação, lucianajoana@licencaparasentir.pt
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